Para os amantes de Carlos Drumond
de Andrade...
O CASO DO CHÁ
A casa da velha senhora fica na
encosta do morro, tão bem situada que ali se aprecia o bairro inteiro, e o mar
é uma de suas riquezas visuais. Mas o terreno em volta da casa vive ao abandono.
O jardineiro despediu-se há tempos; hortelão, não se encontra nem por milagre.
A velha moradora resigna-se a ver crescer a tiririca na propriedade que antes
era um brinco. Até cobra começou a passear entre a folhagem, com indolência; é
uma cobrinha de nada, mas sempre assusta.
O verdureiro que faz ponto na rua
lá embaixo ofereceu-se para matá-la. A boa senhora reluta, mas não pode viver
com uma cobra tomando banho de sol junto ao portão, e a bicha é liquidada a
pau. Bom rapaz, o verdureiro, cheio de atenções para com os fregueses. Na ocasião,
um problema o preocupa: não tem onde guardar à noite a carrocinha de verduras.
– Ora, o senhor pode
guardar aqui em casa. Lugar não falta. – Muito agradecido, mas vai incomodar a
madame.
– Incomoda não, meu filho.
– Incomoda não, meu filho.
A carrocinha passa a ser recolhida
nos fundos do terreno. Todas as manhãs o dono vem retirá-la, trazendo legumes
frescos para a gentil senhora. Cobra-lhe menos e até não cobra nada. Bons amigos.
– Madame gosta de chá
– Madame gosta de chá
– Não posso tomar, me dá
dispepsia, me põe nervosa.
– Pois eu sou doido por chá. Mas
está tão caro que nem tenho coragem de comprar. Posso fazer um pedido? Quem
sabe se a madame, com esse terreno todo sem aproveitar, não me deixa plantar
uns pés, pouquinha coisa, só para o meu consumo?
Claro que deixa. Em poucas horas
o quintal é capinado, tudo ganha outro aspecto. Mão boa é a desse moço: o que
ele planta é viço imediato. A pequenina cultura de chá torna alegre outra vez a
terra abandonada. Não faz mal que a plantação se vá estendendo por toda a área.
A velha senhora sente prazer em ajudar o bom lavrador. Alegando que precisa
fazer exercício, caminhando com cautela pois enxerga mal, ela rega as
plantinhas, que lhe agradecem a atenção prosperando rapidamente.
– Madame sabe: minha intenção era
colher só uma pequena quantidade. Mas o chá saiu tão bom que os parentes vivem
me pedindo um pouco e eu não vou negar a eles. É pena madame não experimentar.
Mas não aconselho: se faz mal, não deve mesmo tocar neste chá. O filho da velha
senhora chegou da Europa esta noite. Lá, ficou anos estudando. Achou a mãe
lépida, bem disposta.
– E eu trabalho, sabe, meu
querido? Todos os dias rego a plantação de chá que um moço me pediu licença
para fazer no quintal. Amanhã de
manhã você vai ver a beleza que está.
O verdureiro já havia saído com a
carrocinha. A senhora estende o braço, mostra com orgulho a lavoura que, pelo
esforço em comum, é também um pouco sua. O filho quase caiu duro:
– A senhora está maluca? Isso
nunca foi chá, nem aqui nem na Índia. Isso é maconha, mamãe!
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